A exploração de potássio em Autazes, no coração do Amazonas, como parte de um plano para ampliar a produção nacional de fertilizantes, será o primeiro teste da política ambiental do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
De um lado, o Ministério da Agricultura defende a exploração de uma megamina de potássio da região -com potencial maior que a produção do Canadá, líder global num minério essencial ao agronegócio. Do outro, pastas e entidades ligadas às causas ambiental e indígena adotam cautela ao tratar do tema. Isso porque a jazida de potássio, insumo decisivo para a agricultura, fica a apenas oito quilômetros de uma área indígena, em região densa de floresta e ao lado do Rio Madeira.
Uma decisão da Justiça Federal de Manaus em janeiro, provocada pelo Ministério Público, obriga a União a se posicionar novamente sobre a jazida, com a possibilidade de reversão do entendimento adotado pelo Ibama no governo de Jair Bolsonaro. Entre 2021 e 2022, o órgão ambiental federal passou o licenciamento do projeto ao governo do Amazonas, acelerando o processo. Especialistas apontam riscos ambientais e às comunidades locais, mas uma empresa que investiu milhões no mapeamento da área diz estar pronta para uma operação sustentável.
US$ 14 BI EM IMPORTAÇÕES
O tema veio à tona há pouco mais de duas semanas, quando, em entrevista ao GLOBO, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, defendeu a exploração da jazida para reduzir a dependência do agronegócio da importação do potássio, um dos itens fundamentais dos fertilizantes e que atualmente custa US$ 14 bilhões (R$ 72 bilhões) por ano ao agronegócio. Hoje, 96% do consumo nacional vem de fora.
-Temos em Autazes (AM), por exemplo, uma jazida fora de reserva indígena, dentro da área de influência, a 10 ou 15 quilômetros, tão grande quanto as jazidas canadenses de produção de cloreto de potássio. Agora, o desafio é como licenciar isso -afirmou Fávaro, defendendo tecnologias modernas para produzir com menor impacto ambiental, em prol da “soberania nacional”.
Procurados pelo GLOBO, os ministérios de Meio Ambiente, Minas e Energia e Povos Indígenas preferiram não comentar ou se posicionar sobre a jazida de Autazes, assim como Ibama e Funai. Aliados da titular do Meio Ambiente, Marina Silva, reconhecem que o tema é bastante sensível e está no radar do ministério.
A mina fica em uma das áreas mais preservadas da Amazônia, bem ao lado de onde vivem 12 mil pessoas da etnia Mura, que luta há duas décadas pela demarcação de suas áreas. No momento em que o governo tenta expulsar garimpeiros das terras ianomâmis, em Roraima, a questão do potássio fica ainda mais delicada.
EMPRESA DIZ QUE É SEGURO
A empresa Potássio do Brasil, que tenta viabilizar a exploração dominério, diz que a jazida pode gerar 2,2 milhões de toneladas por ano, com a criação de 1.300 empregos diretos e 2.600 indiretos na região. E que é possível fazer a mineração de forma sustentável. Para Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima que presidiu o Ibama no governo de Michel Temer, o impacto é inevitável, afetando o Rio Madeira, que foi alvo de outra polêmica ambiental nos governos petistas: a construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio.
-A comunidade indígena tende a se desagregar. Haverá aumento da população e especulação imobiliária. Os rejeitos da mineração de potássio afetam a qualidade dos corpos hídricos. Isso gera efeitos negativos sobre os ecossistemas aquáticos, a região de Autazes é especialmente frágil nesse aspecto, extremamente úmida e cortada por corpos d”água -afirma Suely.
A Potássio do Brasil nega estes riscos.
– Vamos fazer do Projeto Potássio Autazes uma referência na produção mineral sustentável no país. Na prática, nossa atuação está pautada em projetos que tenham o menor impacto ao meio ambiente, que sejam socialmente justos e comprometidos com o desenvolvimento humano, além de obedecerem às normas e à legislação brasileira de forma integral – diz o presidente da empresa, Adriano Espeschit.
A Potássio do Brasil já havia conseguido o licenciamento prévio e aguardava a licença de instalação do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), quando a Justiça Federal interrompeu o processo. Em janeiro, a juíza Jaiza Fraxe, da Justiça Federal do Amazonas, determinou que União, Ibama e Funai digam se são a favor ou contra o projeto, o que ainda não ocorreu.
Até 2022, na gestão Bolsonaro, o Ibama se negou a discutir o caso, alegando que o assunto é de âmbito estadual. A Funai alegou a tese do marco temporal (que só reconhece territórios indígenas com ocupação comprovada até 1988 e é questionada no Supremo) para não demarcar as terras Mura. O projeto de mineração está em fase de consulta, conforme prevê uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da qual o Brasil é signatário.
MINISTRA DEFENDE CONSULTA
A lei determina que indígenas sejam ouvidos previamente em casos assim. Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, diz que é preciso respeitar esse processo:
-Antes de qualquer tipo de exploração, deve-se considerar o processo de consulta livre prévia informada aos povos indígenas. Se não foi considerado, se não há regulamentação para esta prática, é portanto considerada atividade ilícita.
Márcio Santilli, que foi presidente da Funai no governo FHC e é sócio-fundador do Instituto Sócio-Ambiental (ISA), explica que a etnia Mura já é bastante fragmentada e está espalhada pela área:
-Os Mura são relevantes, mas entram como “boi de piranha”, porque há questões técnicas e ambientais que vão além da indígena.
Defendida por Bolsonaro, a autorização de mineração em áreas indígenas não avançou na gestão dele, mas o garimpo ilegal gerou a crise humanitária dos ianomâmis. Para membros da base do governo, como o deputado Nilto Tatto (PTSP), a lei deve prevalecer:
-Se é possível fazer a exploração de minerais sem intervir no território indígena e no patrimônio brasileiro, não tem problema nenhum. Mas se tem impacto para os povos indígenas, não deve avançar, porque tem que ter um outro debate, outra legislação.
O Brasil é o segundo maior consumidor de potássio e também importa outros fertilizantes, o que deixou agricultores vulneráveis ao comércio exterior, afetado pela guerra na Ucrânia em 2022. Bruno Vizioli, especialista em solo e técnico do Sistema Faep/Senar- PR, estima que o Brasil tenha 140 milhões de hectares de terras degradas. Ao GLOBO, Fávaro disse que o governo planeja um programa para converter pastagens degradadas em lavouras, uma forma de aumentar a produção agrícola sem desmatar. Mas recuperar um hectare demanda, em média, 300 quilos de potássio. Para tratar toda a área degradada do país, é preciso mais 42 milhões de toneladas por ano. Como o custo médio atual é R$ 2,6 mil por tonelada, a conta fica em torno de R$ 109 bilhões.
Produzido por: O GLOBO